Pensei em escrever o que sinto, mas achei raiva uma palavra esquisita. Parecia muito com chilique, com um sentimento feminino demais, menos forte do que queria usar. Lembrei então da minha paixão por futebol e pensei na palavra “bronca”. A bronca das torcidas, das “barras bravas”.
No Brasil, hoje, sabemos quem são os inimigos, o que fazem, como se conduzem, o que querem. São uns poucos que, desde sempre, mantêm seus privilégios e subjugam os pobres por interposita persona, utilizando a classe média (tão oscilante, lembram?) como tampão. Enganos, religião, ópio, moralismo, aborto, qualquer coisa serve para lançar a classe média contra os pobres, afastando-a do inimigo comum da humanidade, os detentores dos meios de produção, da riqueza sem sentido, os donos do sistema irracional.
E nós, os militantes esclarecidos, como nos colocamos diante disso? Lamentavelmente, muitos de nós, em momentos de crise, assume as características de classe média que tanto combatemos. “Eu primeiro”, “o que será de mim”, “estou cansado”, “estou ofendido”, “me sinto traído”, “quero ser mais rico”, “desfrutar mais”, “viver melhor”.
Há dois meses, tínhamos um panorama de eleições muito favorável. Mas acreditamos em pesquisas de organismos que não controlamos, mas que são controlados por alguém. Houve salto alto e desleixo, é verdade. E muitos de nós votaram errado, sem dar importância à contradição principal.
Tenho bronca dos que, por motivos pessoais, fazem retroceder a roda da história. Falo, é claro, dos amigos.
Tenho bronca dos que preferiram “dar uma lição no PT, no primeiro turno”.
Tenho bronca dos neoambientalistas, que votam verde pelos animais e plantas, e deixam nossos irmãos pobres na miséria por mais tempo, como se não fizessem parte de nosso habitat.
Tenho bronca dos que acham que as eleições são o instante de demonstrar seu desgosto pessoal com algumas coisas pequenas e mandar mensagens pessoais aos governantes, e não a oportunidade de fortalecer o que está sendo feito por todos os brasileiros.
Tenho bronca dos que acham que o Bolsa-Família é paternalista. Nunca passaram fome, ou pelo menos nunca tiveram que dizer aos filhos que hoje não tem jantar.
Tenho bronca dos que acham que “quanto pior, melhor”, desde que o pior seja para os pobres, e não para
eles.
Tenho bronca dos que caíram na armadilha eleitoral, dividindo esforços entre candidatos municipais e estaduais, que só cuidam do nosso bem-estar, e desatenderam o nível federal, onde realmente se decidem os rumos e as políticas públicas que tirarão ou não o nosso povo da miséria.
Tenho bronca dos que se arriscam a um governo do PSDB por quatro ou oito anos porque foram “enganados” pelo Lula. Passam-se por vítimas, quando na verdade não souberam fazer, em sua oportunidade, uma análise mais correta da realidade. Lula nunca prometeu tanto a mais do que tentou fazer e do que fez. Ele nunca participou da nossa utopia. Mas esteve próximo, e sua trajetória foi vantajosa para todos. Se ficou aquém de nossos sonhos, certamente realizou mais que nenhum antes dele no cargo, tirando a milhões da miséria, dando água, luz, comida, emprego e dinheiro aos pobres.
Tenho bronca dos que acham que não era nossa obrigação assegurar a permanência dessa política, dando apoio total ao governo federal e a seus candidatos (alguns difíceis de engolir, é verdade, mas essa sensação também faz parte de nossas origens pequeno-burguesas...)
Tenho bronca dos que puseram em risco a continuação do projeto de Brasil que tínhamos até então. E na eventual derrota de Dilma (ou não se deram conta que no segundo turno tudo se compra e tudo se vende para ganhar?), terei bronca dos amigos que se lamuriarão, como se não fosse com eles, como se a derrota fosse algo que aconteceu, e não algo que deixamos acontecer.
Tenho bronca dos que não conseguem se mexer, dos desanimados, dos estáticos, dos que deixam a ideologia da classe média vencer as discussões nos ônibus e nas padarias.
Tenho bronca dos que, como eu, às vezes gastam mais tempo escrevendo aos amigos do que falando com desconhecidos.
Entre amigos não aumentaremos o número de votos necessários para ganhar o segundo turno. Só com trabalho externo, convencendo aos indecisos, ganhando votos novos.
Imagino que todos os meus amigos que queriam dar uma lição a alguém (e votaram no Plínio, na Marina, em branco, nulo) agora vão recapacitar e votar no fortalecimento das mínimas conquistas que obtivemos nesses oito anos, pois podemos perder tudo em um novo governo neoliberal. Mas e os votos que perdemos com sua indecisão anterior, com sua falta de trabalho no primeiro turno, com as pessoas que não convenceram porque também não estavam convencidos, ou estavam zangados, ou furiosos com alguma questão menor?
Tenho bronca dos que, nas eleições, colocam o pessoal acima do coletivo.
Teremos nesses poucos dias chance de reverter essa situação?
Sou pessimista quanto a isso, mas não espalho por aí. Convenço (ou tento convencer) aos jovens, aos idosos que ainda votam, às pessoas que me rodeiam. Dói muito ver a chance de melhoria de tantos dar com os burros n’água pelo egoísmo de uns poucos. Mas dói muito mais quando alguns desses poucos são amigos meus.
Tenho bronca de mim mesmo, por não ter feito mais.
E se acontecer o pior, a responsabilidade será nossa.